04 maio 2010

Elogio ao clichê

Os clichês há muito tempo caíram em desgraça. Qualquer obra cinematográfica que os contenha é imediatamente colocada em um limbo artístico no qual não há diálogo com a elaboração. Esses lugares-comuns que, a princípio e via de regra, empobrecem a maioria dos filmes, podem ser o trunfo de outros, se usados com criatividade.

Em “Tudo pode dar certo” (Whatever Works, 2009), a produção que marca a volta do diretor Woody Allen à Nova York, os pavorosos clichês são usados com muito bom humor e inteligência, transformando cada um deles em uma agradável e divertida cena. O diretor, ainda assim, consegue fazer algumas surpresas.

Desta vez, coube ao ator Larry David, interpretar o rabugento e muito engraçado alter-ego de Allen, Boris Yellnikoff. Em seu último filme, “Vicky, Cristina, Barcelona”; esse papel-reflexo foi encarnado por Scarlett Johansson. Entretanto, em “Tudo pode dar Certo”, a semelhança física com Bóris, seu mau-humor crônico, o seu prepotente niilismo e o fato dele se casar com uma mulher muito mais nova (Woody Allen é casado com a filha adotiva de sua ex-mulher 35 anos mais nova que ele) fazem a comparação ficar mais óbvia.

O fio condutor da narrativa se dá por meio do choque entre o pretenso gênio Bóris com o estereótipo da mulher burra (loira, bonita, jovem, sonhadora, interiorana, religiosa, simplória e limitada) Melodie, interpretada convincentemente por Evan Rachel Wood. Situações cômicas e diálogos tão ácidos e inteligentes quanto engraçados levam a história até seu final, não sem percalços e reviravoltas.

Um outro aspecto interessante, mas que pode causar alguma inquietação no início do filme, é o fato do personagem Bóris ter absoluta certeza de que sua vida está sendo observada por espectadores. Essa interação direta com a platéia, que inicialmente parece apenas um recurso narrativo para apresentar rapidamente os personagens e a história, se torna depois uma descontraída forma de fazer metalinguagem. É o filme falando do filme e o filme falando, diretamente, com a gente.

Embora alguns críticos não tenham recebido bem esse último filme do diretor, ele arranca alguns bons risos. Mérito do filme, em meio a muitas comédias que não fazem rir e esbanjam preconceitos e discriminações com minorias. Woody Allen, ao contrário, além de fazer uma ode ao clichê, coloca em contato códigos sociais ortodoxos e heterodoxos. Esse encontro é permeado de confusões e fatos inesperados, mas, acima de tudo, de muita naturalidade. Uma interessante metáfora em microcosmo do que seria interessante no geral: convivermos em harmonia com as diferenças.

Seja pela comédia, pelo diretor, pela inventividade, pela falta dela, pela proposta ou por qualquer outro motivo, “Tudo pode dar Certo” vale a pena.

Nota: 9,0

02 julho 2009

Trilogia do barulho (Ice Age 3)


Às vezes fico bastante chateada com o cinema. Principalmente os Blockbusters. A trilogia “A era do gelo”, com a maioria das trilogias, vem perdendo seu prestígio. O primeiro foi bacana, diferente, engraçado. Mas já perdeu o sentido no segundo. Daí tentam me enfiar um terceiro. Paaaaara tudo!


Que história é esta de trilogia? “A era do gelo”, por exemplo, já foi Era do Gelo, Era do Degelo e Era dos Dinossauros. Isso só faz confundir a cabeça das nossas crianças quanto à questão histórica da coisa. Cá pra nós! Onde está a novidade, os novos personagens, novos cenários, novos caminhos, novas histórias. Como diria o Shrek, não há mais cebola para descascar. Ao há mais camadas para investigar nem aquele gostinho de “quero mais”.

A trilogia “Pânico” ("Sream", 1996, EUA, Wes Craven), foi inovadora. Fazer trilogia hoje é apenas cansativo. Ou alguém aí está esperando ansiosamente por “Os normais 3”? Que tal “Divã 2” e “Divã 3”?

Por que é que não fazem logo uma série de TV e acabam com essa palhaçada de arrancar dinheiro dos outros sem apresentar um produto de qualidade?

E tem outra: quando começam a enfiar histórias de amor nos desenhos animados, aí já era MESMO. Não faz o menor sentido. Será que estou ficando velha? Será que não fazem mais desenhos como antigamente? Onde foram parar as aventuras de Tom e Jerry e a sutileza do amor entre Pato Donald e Margarida e Hank e Sheilla?

Decepção!


(Ice Age: Dawn of the Dinossaurs, 2009, Carlos Saldanha)

05 março 2009

Personagem redondo (Changeling)


“Construir uma personagem é uma das dificuldades comuns entre os roteiristas e escritores que realizam suas primeiras obras de audiovisual. O ardil dramatúrgico de contar uma história através de um personagem fictício é uma habilidade que requer, além de talento criativo, domínio técnico e maestria dramática”.

Esta é o texto de apresentação do curso “La construcción de personajes para el guión” da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antônio de Los Baños, a escola de cinema mais bem conceituada da América Latina. Depois disto, alguém aí acha fácil construir um personagem?


Lembrando das aulas de segundo grau, em que os personagens dos livros de literatura se resumiam em planos e redondos, o que diria eu de Christine Collins? É certo que se trata de um história baseada em fatos reais, mas é possível enxergar, claramente, o trabalho do roteirista, diretor e da atriz na composição desta personagem.


Pela parte da atriz:
a expressão corporal, a voz, o olhar. De uma dama dos anos 20, voz mansa, responsável, honesta e delicada; passando por uma pantera feroz que tenta proteger o ninho dos predadores; até uma voz rouca e perseverante, digna dos mais profundos danos no coração e uma mulher borbulhando de esperança e coragem. Desculpem-me os que acham que a Angelina Jolie é apenas mais um rostinho bonito.


Pela parte do diretor: rédeas curtas, domínio total das atuações, dos takes, da fotografia, da trilha sonora (Eastwood também foi responsável pela música). O longa conquista já nos primeiros segundos, quando aparece a antiga logo da Universal, criando um ambiente de filme antigo. Nos primeiros momentos o público já se sente dentro da história, como se estivesse também ele no final da década de 20. A fotografia é incisiva, certeira! O filme quase não tem cor e fica cada vez mais sombrio, até que a mãe encontra esperança novamente. E mesmo assim, longe de um final feliz, o público se delicia com uma cena aparentemente banal, mas que traz a certeza de que a vida continua, melhor ou pior. E continua seu curso sem se importar com a pequena grande mudança desta mulher para a realidade da LAPD.

Pela parte do roteirista:
criar uma história apaixonante e envolvente, com diálogos inteligentes e impactantes. Sim. Lembro-me bem do quanto foi necessário e extremamente emocionante quando Christine diz ao assassino: “I hope you go to hell!”. É fascinante como as palavras desta mulher afetam todos os personagens da trama.


Seguindo a tradição, Angelina escolheu um ótimo roteiro. E há uma tendência nas suas escolhas por personagens sofridas e politicamente atuantes. Vide “Beyound Borders” (Amor sem fronteiras, 2003, EUA, Martin Campbell) e A “Migthy Heart” (O preço da Coragem, 2007, EUA/Inglaterra, Michael Winterbottom). Pode ser que a fórmula se esgote.


("Changeling", 2008, EUA, Clint Eastwood)

28 fevereiro 2009

Outra visão (The Reader)


Depois de 27 anos sem escrever, perturbada com meu ganha pão, cá estou eu.

Incitada pelos amigos que já viram todos os filmes que concorreram à estatueta este ano, me atiro novamente ao vício prazeroso das salas de cinema.

Hoje me encontrei num reformado e digital Alameda, com os mesmos pirralhos, mas companhias diferentes. Fui ver um filme que fala sobre o nazismo com alemães do lado.

Kate Winslet

Não preciso dizer muita coisa além disto, mas não posso omitir o soco no estômago que levei esta noite.

A primeira sensação foi a de um personagem frio, calejado pelos tantos amores da vida. E os tantos amores se resumiram numa alemã que falava um perfeito inglês britânico, hábitos quietos e singelos, um coração desafiador.

A princípio eu não soube o que pensar desta ariana. A gentileza de ajudar um garoto que passava mal e a brutalidade de seus gestos causou estranhamento no início. Porém, mais tarde, ela se mostrou não mais do que humana, ao afirmar, sem conseguir pronunciar as palavras, que realmente amava o moleque. E aquele amor de verão, típico de besteirol americano, se mostrou uma das mais belas histórias sobre o holocausto já vista na história do cinema.

Ápices:

-Hanna aprendendo a ler: afora a sensibilidade da situação, a cena foi delicada, linda. Simplesmente adorável.

- As “leituras”: sibilando entre a frieza, a raiva e o amor profundo e escandalizado, Michael tem sua grande catarse ao gravar a leitura dos livros para Hanna. A montagem da cena e sua sensação de simultaneidade imprimem um ritmo quase enlouquecedor à trama, que tem uma narrativa quase arrastada, mas não pedante (entendam!)

- A maquiagem: e o choque que ela causa ao percebermos a distância dos mundos de Michael e Hanna 20 anos de prisão depois.

- O jovem advogado: o momento mais forte e que nos causa maior aversão às atitudes de Hanna durante o Holocausto vem com a argumentação do colega de classe de Michael que diz, em outras palavras, que não podia compreender como os alemães não sabiam o que estava se passando. E sua revolta maior era que quando os alemães souberam de tudo, eles não tinham se matado em vista das barbaridades cometidas. Um tipo de questionamento que eu sempre me fiz. E, sem encontrar resposta, sempre tive a sensação de que alemães são todos frios e absolutamente insensíveis. Opinião preconceituosa que caiu por terra quando vi, do meu lado no cinema, dois alemães se debulharem em lágrimas.

Nem tudo está perdido!

(The Reader, EUA/Alemanha, 2008, Stephen Daldry)

14 outubro 2008

Ensaios (Blindness)


A vida às vezes nos leva a caminhos inesperados, por isso tive um pouco de dificuldade em manter este blog. From now on, eu espero poder escrever aqui com mais freqüência.

Ontem à noite vi o tão esperado “Ensaio sobre a cegueira” (“Blindness”, 2008, Canadá/Brasil, Fernando Meirelles)! Estou embasbacada.

Nunca tive muita paciência pro Saramago (que me desculpem os mais conservadores!), por isto sempre passei longe da obra. Amanhã mesmo procurarei na biblioteca mais próxima o bendito livro. Óbvio que gostarei mais das páginas impressas (como sempre acontece com as adaptações), mas é a primeira vez que acontece o inverso: primeiro vi o filme para depois ler o livro.

Entre os tantos destaques que vêm sendo notícia na mídia “baba-ovo-do-Meirelles”, queria ressaltar um dos que mais me chamaram a atenção: a maquiagem de Julianne Moore. Sempre impecavelmente ruiva e com a pele bem tratada, ela aparece no filme com sardas e loira. Que espetáculo! Nada poderia significar mais a simplicidade e o sofrimento daquela mulher que carregou o mundo em suas costas. Já acostumada à sua estupenda atuação (sim, sou fã confessa da ruiva), não me surpreendeu que o papel principal tenha sido tão bem conduzido. Tão bem que nem precisaríamos do narrador ao final do filme dizendo que ela “sentiu cegar os olhos”.

Aliás, o narrador é desnecessário em todos os sentidos ali naquele final, a não ser pelo tom “Dogville” que saiu o comentário: “alguns temeram perder a família que ganharam” [quando ficaram cegos]. Mais serviria às imagens, talvez, uma trilha mais capciosa.

Particularmente, não gosto de cenas de violência sexual. Portanto, se eu estivesse sentada na cadeira de nome “director”, eu excluiria da montagem final. Apesar de terem sido fortes o suficiente para me deixar agoniada o resto do filme (mais um ponto pro Meirelles).

A fotografia me trouxe à memória imagens dos campos de concentração, o que contribuiu para compor a sensação de terror ao que os personagens viviam. Excelente escolha!

De 0 a 10: 9,8...

(Blindness, Brasil/Canadá, 2008, Fernando Meirelles)

30 julho 2008

Eu protesto (filmes em seqüência)


Detesto filmes que tem o segundo que não chama segundo.

Por exemplo, os filmes do idiota do Harry Potter. Eu admito que as histórias sejam bacanas, que conquistou a criançada etc. etc. etc. Mas fala sério, não dava pra por colocar Harry Potter, Harry Potter 2, Harry Potter 3 e tal? Que saco! Agora eu estou mais próxima do meu sobrinho e PRECISO ver os filmes, senão não tenho nem assunto com ele. Daí eu fui à locadora pra alugar a seqüência. Quando chego em casa, aaaarghhh, qual é o primeiro? Aí tive que fuçar no IMDB pelas datas de lançamento. Francamente!

Outros exemplos: Tomb Raider, A lenda do tesouro perdido (“National Treasure”, Ben Gates), Indiana Jones...

Bom mesmo era nos tempos de Sexta-Feira 13 (“Friday the 13th”, EUA, década de 80). Uhhuul!

19 maio 2008

Carola (Novo Álbum de Ana Carolina)


Apesar das críticas ferrenhas que eu tenho a respeito da Ana Carolina, estou para dizer que adorei o seu novo CD duplo, “2 Quartos” – dele só ouvi o “Quarto”, porque o “Quartinho” o e-mule ainda não me permitiu o prazer (não, eu não compro CD).

O que me chamou mais a atenção, além do escracho homossexual, foi a canção “Notícias populares”




Tudo se acaba.
Olha o noticiário!
Água se acaba.
Se acaba a prece do vigário.
E eu quero ser a mendiga suja e descabelada
Dormindo na vertical.
Entender como a vida de alguém
Se acaba antes do final.

Prefiro Lou Reed do Velvet Underground.
Gosto de Silvia Plath, S.Eliot,
Emily Dickinson, Lucinda,
Délia, Manoel de Barros ficam eternos por mim.

Esqueço a crise da Argentina
Quebrando o pau com a menina no sinal
Em castelhano, ê
Eu furo os planos, ê
Eu furo o dedo, mando vê
Examinando, lanho o braço
Aperto o passo. Não sou louca!
É...

Tomei um tiro
No vidro do meu carro
É a pobreza
Tirando o seu sarro
Foi meu dinheiro
Foi meu livro caro
Que façam bom proveito
Da grana que roubaram
Porque eu trabalho
E outro dinheiro eu vou ganhar

Tomei um táxi
O motorista, mexicano,
Veio falando sobre o onze de setembro.
Havia um homem na calçada lendo o "Código Da Vinci"
Ou lia o código da venda?

E na parada havia um peruano
Cheio de badulaques, ô
Vendendo Nike, ô
Vendendo bike, Coca Light, canivete
Aceita cheque pros breguetes.
Notícias do Iraque na Tv da lanchonete.

Notícias populares
Voam pelos ares
E amanhã, meu nêgo, ninguém sabe
Se alguém recua ou se alguém invade
Se alguém tem nome ou se alguém tem fome.
Que façam bom proveito
Do pouco que restar
Se tanta gente vive
Só com o que dá pra aproveitar.

Tudo se acaba.
Olha o noticiário!


Me deixou pensando bastante. Primeiro fiquei levemente emputecida. Me aborrece muito, no mundo do entretenimento, a maneira errada como vêem o jornalismo. Pego o exemplo do filme que me fez querer ser jornalista: “Intimo e Pessoal” (“Up Close & Personal”, EUA, 1996, Jon Avnet). Tally Atwater queria ser jornalista por todos os motivos errados e o final feliz, de certa forma, prevaleceu. Sem falar nas telenovelas brasileiras. Alguém aí se lembra de “Celebridade”( Rede Globo, 2003, Gilberto Braga)? Era ridícula aquela urubuzada toda em torno da Maria Clara Diniz e Cia. LTDA.

E depois tem a parte:


“Notícias populares
Voam pelos ares
E amanhã, meu nêgo, ninguém sabe
Se alguém recua ou se alguém invade
Se alguém tem nome ou se alguém tem fome”.


Reflete exatamente a efemeridade do nosso serviço enquanto jornalista. Jornal de ontem é fundo de gaiola. Quem é que se lembra de Ingrid Betancourt? Dos vazamentos na Baía de Guanabara (foram tantos, não é?)? Quem pagou o preço? Quem se lembra da crise Argentina? O que era mesmo o mensalão? Santa memória curta!

A quantidade de frases, aparentemente soltas, que ela coloca na música, são outro indício de que um jornalista “sabe pouco de muita coisa”. A “crítica da superficialidade” se é que posso colocar assim. O duro é admitir que muitas vezes isso é verdade. O jornalista tem mesmo que saber de tudo. Só que é humanamente impossível se aprofundar em todos os assuntos. Principalmente pelo infinito espaço que dispomos para a informação.

Uma outra coisa que me intrigou nesta música é a menção à pobreza. Outro dia, conversando com meu irmão, ele, tentando como sempre criticar a minha profissão (sim, ele é muito gentil), ele me chamou a atenção para uma coisa. Ele disse: “já observou como piada de pobre vende?!”. O exemplo usado na ocasião foi o Terça Insana, com a enquete “D.Edith Lança livro”. E é engraçado!


O que me deixa agoniada é que existe todo um sistema do ovo e da galinha envolvido nisso. As pessoas gostam de ver “Faustão” porque ele está no ar há 1000 domingos, ou ele está no ar todo domingo porque as pessoas gostam de assistir. Um sistema que é impossível reverter ou quebrar. Mas, como todo sistema, pode ser burlado.


Ou talvez eu tenha uma visão romantizada da profissão.