05 março 2009

Personagem redondo (Changeling)


“Construir uma personagem é uma das dificuldades comuns entre os roteiristas e escritores que realizam suas primeiras obras de audiovisual. O ardil dramatúrgico de contar uma história através de um personagem fictício é uma habilidade que requer, além de talento criativo, domínio técnico e maestria dramática”.

Esta é o texto de apresentação do curso “La construcción de personajes para el guión” da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antônio de Los Baños, a escola de cinema mais bem conceituada da América Latina. Depois disto, alguém aí acha fácil construir um personagem?


Lembrando das aulas de segundo grau, em que os personagens dos livros de literatura se resumiam em planos e redondos, o que diria eu de Christine Collins? É certo que se trata de um história baseada em fatos reais, mas é possível enxergar, claramente, o trabalho do roteirista, diretor e da atriz na composição desta personagem.


Pela parte da atriz:
a expressão corporal, a voz, o olhar. De uma dama dos anos 20, voz mansa, responsável, honesta e delicada; passando por uma pantera feroz que tenta proteger o ninho dos predadores; até uma voz rouca e perseverante, digna dos mais profundos danos no coração e uma mulher borbulhando de esperança e coragem. Desculpem-me os que acham que a Angelina Jolie é apenas mais um rostinho bonito.


Pela parte do diretor: rédeas curtas, domínio total das atuações, dos takes, da fotografia, da trilha sonora (Eastwood também foi responsável pela música). O longa conquista já nos primeiros segundos, quando aparece a antiga logo da Universal, criando um ambiente de filme antigo. Nos primeiros momentos o público já se sente dentro da história, como se estivesse também ele no final da década de 20. A fotografia é incisiva, certeira! O filme quase não tem cor e fica cada vez mais sombrio, até que a mãe encontra esperança novamente. E mesmo assim, longe de um final feliz, o público se delicia com uma cena aparentemente banal, mas que traz a certeza de que a vida continua, melhor ou pior. E continua seu curso sem se importar com a pequena grande mudança desta mulher para a realidade da LAPD.

Pela parte do roteirista:
criar uma história apaixonante e envolvente, com diálogos inteligentes e impactantes. Sim. Lembro-me bem do quanto foi necessário e extremamente emocionante quando Christine diz ao assassino: “I hope you go to hell!”. É fascinante como as palavras desta mulher afetam todos os personagens da trama.


Seguindo a tradição, Angelina escolheu um ótimo roteiro. E há uma tendência nas suas escolhas por personagens sofridas e politicamente atuantes. Vide “Beyound Borders” (Amor sem fronteiras, 2003, EUA, Martin Campbell) e A “Migthy Heart” (O preço da Coragem, 2007, EUA/Inglaterra, Michael Winterbottom). Pode ser que a fórmula se esgote.


("Changeling", 2008, EUA, Clint Eastwood)

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